A viagem a La Paz não foi programada. Não comprei guia, não pesquisei na internet, apenas googlei algumas páginas para saber sobre vôos nacionais e li algumas poucas linhas de blogs de gente que conheceu a cidade. Meu sobrinho que mora lá, à medida que o dia da viagem ia chegando, me informava sobre o clima e alertava sobre os possíveis incômodos que poderia sofrer com a altitude. Não li sobre pontos turísticos, história, culinária, compras imperdíveis. Nada. Por pura falta de tempo. Os dias que antecederam a partida foram de guerra, com uma agenda lotada me assombrando cada vez que pensava que ia me ausentar por alguns dias. Tive apenas duas horas para decidir o que ia nas malas.
Minha filha Pilar e eu chegamos a Santa Cruz de La Sierra à meia-noite. O calor abafado que entrava porta adentro no aeroporto me fez duvidar que havia nevado há poucos dias em La Paz. Era calor de Cuiabá! O vôo só sairia às 7 da manhã. A solução prática foi uma das cabinas que existem no aeroporto, a 10 dólares a hora. O quarto minúsculo tem cama, frigobar, ar condicionado, tv plasma com uma infinidade de canais, tudo limpo e aconchegante. Melhor que sair do aeroporto.
A chegada a La Paz foi tensa. Pilar sentiu os efeitos do soroche, o mal da altitude. Oxigênio, médico, chá de coca e coca-cola foram as palavras que mais ouvi nos primeiros 30 minutos em La Paz. Dei graças a Deus quando o Rafael apontou na entrada do aeroporto.
Na descida à cidade grudei os olhos na janela do táxi que ia numa velocidade relativamente alta. Para baixo todo santo ajuda, não é assim que se diz? A estrada espiralada é um convite à vertigem enquanto a mente tenta restabelecer uma certa ordem nas imagens que chegam de fora: as casas-equilibristas assentadas no cume dos montes e montanhas; o avermelhado dos tijolos sem reboco que inunda a vista e dá o matiz característico da cidade; a aridez da paisagem subtraída de verde.
Esqueça Londres, Paris, Madrid ou cidades caóticas como Nova Delhi, Rabat ou Fez. La Paz, a cidade mais indígena da América Latina, não tem semelhança com nenhum outro lugar. As ruas coalhadas de vendedores ambulantes são inacreditavelmente limpas. O trânsito é repleto de táxis e pequenas vans japonesas com um cobrador gritando o destino e o valor da passagem. Não existe taxímetro por lá. É preciso negociar antes com o dono do veículo e pode ser que você divida o carro com outros passageiros [o que é coisa de primeiro mundo].
Os paceños têm vocação para a rua. Comem, trabalham e se divertem nelas. As cholas, mulheres indígenas, carregam nas costas seus filhos empacotados em tecidos coloridos, enquanto cuidam da pequena barraquinha de doces, saltenhas e coca-cola natural. Gelada, só se o dia estiver muito frio. Na rua vende-se de tudo, de produtos de higiene e limpeza, panetone, café, leite, cobertores, roupas, folhas de coca a tênis [falsos], perfumes [idem] e pães. A movimentação nas ruas produz um cenário caótico ao mesmo tempo inspirador.
O capítulo "produto falsificado" é divertido. Vendedores de lojas de shoppings se perguntados não escondem que a bolsa Louis Vuitton na vitrine é pirateada. Gostei da sinceridade.
Em La Paz há pobreza, mas há alegria. Há edifícios à espera de restauração, mas há poesia. Há necessidades urgentes, mas o povo resiste à possibilidade de ser sucumbido por uma cultura alheia. A este povo basta o que é seu.Voltei admirada com o que li nas entrelinhas de La Paz.
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